Os últimos dois anos assinalam,
tanto para Portugal, como para a Europa e o resto do mundo, a emergência de
novos actores sociais (ou actores sociais agora em actividade), com estes, novos movimentos cívicos (independentes ao
poder político, das elites governativas), que tornaram e tornam irreversíveis
certos efeitos que abalaram e abalam as "tradicionais" relações de
poder (que foram assim postas em causa) e fizeram reconhecer, a essas mesmas
elites, o capital de potencialidades que um número, cada vez mais amplo, de
"súbditos" possui relativamente ao poder soberano. Assim,
independentemente das diferenças entre os movimentos que levaram à deposição
dos governos da Tunísia e do Egipto, os movimentos a favor da maior regulação
do mercado financeiro norte-americano e os movimentos contra austeridade de
Portugal, Espanha, Grécia... Podemos identificar, como
característica transversal a estas singularidades, a emergência daquilo que
tomamos aqui como "maiorias qualificadas". Maiorias estas que se
sentem frustradas, de alguma forma, por se identificarem com essas elites que
detêm o poder (no sentido em que contam com tantas faculdades ou competências como estas para
tomarem o seu estatuto) e por sentirem que o seu capital acumulado
(nomeadamente o capital cultural, o conhecimento) não estar a ser devidamente aproveitado.
Assim, esta "emulação"
das potências do capital cultural na esfera pública (acumuladas por uma geração
maioritariamente jovem, informada e informatizada, qualificada, cosmopolita…)
não pode ser ignorado, a partir deste momento histórico, nem pelas elites
governativas, nem sequer, e principalmente, por eles mesmos, pelos próprios
movimentos em questão. Não basta portanto ocupar as praças das capitais e das
principais cidades dos países em questão; não basta construir plataformas para
a participação cívica; não basta ter iniciativa e um objectivo cívico a
cumprir. É necessário, portanto, passar da contingência ditada pela conjuntura
(contingência que fez emergir todos estes movimentos, mas que não os garante, sustenta,
nem os perpetua), para o arranjo e solidificação de novas estruturas. O mesmo
que, não basta "lutar", fazer pressão, contra o poder constituído
(numa óptica do conflito; da dualidade do poder, jogada entre governantes e
governados) é urgente, forjar as estruturas, com estas, as rotinas, as
práticas, o conhecimento, a cultura, de modo a que, este universo amplo (em termos quantitativos) de actores
sociais - com vontade de inscrição na esfera pública - possa, de alguma forma, tomar o poder.
Não sendo isto pensado e feito,
primeiro, não há garantias que as elites governantes irão responder aos seus
apelos, segundo, também não há garantia quanto à durabilidade destes mesmos movimentos, podendo ser tão efémeros quanto a conjuntura que ditou a sua emergência.